Há nuvens negras a pairar sobre a indústria do luxo. Será apenas um reajuste, depois do boom consumista chinês pós-Covid? Ou aproximam-se tempos complicados? Fomos ouvir o que os players têm a dizer.
Há nuvens negras a pairar sobre a indústria do luxo. Desde o início da pandemia, o mercado tem enfrentado flutuações nas vendas, alterações de comportamentos, preferências de consumo imprevisíveis, contextos de incerteza permanente. Durante a última década, o setor do luxo registou o que parecia ser uma tendência de crescimento ilimitada, com as marcas dos grandes grupos (como Kering, LVMH ou Richemont, Hermès ou Chanel) a subirem os preços e os consumidores a pagarem sem questionar. Pelo meio chegou a Covid-19 e, com ela, toda a economia mundial se ressentiu, espalhando ondas de choque pela indústria do luxo. Com os confinamentos, deu-se a queda acentuada no movimento nas lojas físicas e o valor do mercado encolheu para valores historicamente baixos: 1 bilião de euros, uma quebra de 20% que não era testemunhada desde 2015. Quando a pandemia abrandou, a indústria do luxo viveu um enorme aumento do consumo de luxo devido à procura reprimida, estabelecendo níveis recorde de crescimento e lucro. Em consequência, Bernard Arnault, CEO da LVMH – um conglomerado multinacional francês com 75 marcas – tornou-se no homem mais rico do mundo (a sua fortuna pessoal ultrapassava os 200 mil milhões de euros). Na altura, as vendas globais da LVMH enfrentaram um aumento anual de 84%, que se situou em 14% acima dos níveis pré-pandemia.
O fim da euforia
Infelizmente, o boom foi de pouca dura. Depois de uma euforia que durou três anos, a indústria do luxo está em queda. O relatório oficial da LVMH sobre os lucros do terceiro trimestre mostra que o crescimento orgânico das vendas foi de apenas 9% no terceiro trimestre, o que representa um ritmo de crescimento mais lento em comparação com 17% no trimestre anterior. O índice STOXX Europe Luxury 10, que mede o desempenho de empresas de luxo como a LVMH, Ferrari e Burberry, reportou o maior declínio trimestral desde 2020. O relatório de setembro mostra que o luxo é um dos setores com pior desempenho entre uma série de indicadores temáticos, e isto deve-se a fatores como os elevados níveis de inflação e as taxas de juro. O crescimento da indústria do luxo está agora a convergir para valores mais semelhantes às médias históricas.
Recentemente, um estudo da consultora Bain & Co, feito em parceria com a Altagamma – a associação da indústria de fabricantes de bens de luxo italianos -, estimou que o mercado global de luxo irá registar vendas de cerca de 1,5 biliões de euros em 2024, permanecendo relativamente estável. Mas aqui e ali aparecem perguntas: estaremos cansados do luxo? Estará o luxo a sofrer o impacto das incertezas macroeconómicas? Estará para chegar uma crise sem precedentes?
E a culpa, é sempre da China?
Segundo alguns analistas, este abrandamento no crescimento do luxo está diretamente relacionado com a quebra do consumo na China. Robert Williams, editor de luxo do site Business Of Fashion, que analisa em profundidade o que se passa no setor, tem uma visão do problema: “marcas como a Louis Vuitton, a Chanel ou a Gucci são omnipresentes, as pessoas veem-nas em todo o lado. Quando os consumidores puxam o travão, isso está relacionado com a sua confiança económica”. A incerteza económica mundial impactou duramente o consumo, sobretudo nos EUA e na Europa. Fatores como a inflação, a estagnação salarial e os ciclos eleitorais fazem com que os consumidores adiem as compras caras. Na Europa juntam-se ainda os conflitos no Médio Oriente e na Ucrânia, que estão a afetar o poder de compra.
No entanto, segundo Williams, o maior problema é a China estar a recuar neste tipo de gastos. O mercado de luxo da China foi um enorme motor de crescimento na última década, mas atualmente a economia do país está a braços com uma bolha imobiliária que se traduz em promotores excessivamente endividados e uma falta de confiança no futuro que está a refrear o consumo das famílias.
Francisco Carvalheira, general manager da Laurel (a associação que representa as marcas de excelência portuguesas), relativiza a questão. “Não é nada de novo, é do conhecimento geral que as economias têm fases crescentes e decrescentes. O luxo não está em queda, está com alguma desaceleração, e longe do vermelho. A China vive atualmente momentos complicados e virou para um modelo de criar as suas próprias marcas, algo que era esperado, mas ninguém queria aceitar. Mas o mundo não é apenas a China. O mercado português é pequeno e não se faz destes compradores, tem clientela fixa e local. Não quer dizer, no entanto, que não possa ter uns espirros”, refere.
“De facto, estamos a assistir a uma fase em que os grandes grupos – com a Kering à cabeça – a sentirem-se ameaçados, com a apresentação de resultados feita em baixa. Mas em Portugal ainda não sentimos nenhuma crise no luxo. Por um lado porque somos um país mais lento a apanhar estas tendências que vêm de fora. Por outro, o turismo e a imigração têm, de alguma forma, protegido a nossa economia, que, na verdade, também não está muito exposta aos mercados asiáticos e por isso não estamos a sentir essa quebra de consumo”, refere Margarida Correia, CEO da Amorim Fashion, traçando um paralelo entre o que a França está a sentir atualmente com o travão do consumo Chinês e o que aconteceu com Portugal há uns anos, quando o mercado angolano se retraiu. “Nessa altura sim, sentimos o impacto. O turista angolano representava uma boa fatia da nossa faturação. Mas agora, o que acontece é que preparámo-nos mais cedo para estes momentos de incerteza – que podem sempre acontecer. Não podemos ser irresponsáveis, temos de acautelar o futuro. É complicado prevermos crises quando são conjunturais, por isso convém ter balanços robustos que permitam fazer face a imponderáveis. Costumo ter este mantra: «expect the best, prepare for the worst». Sabemos que os tempos podem não estar para grandes investimentos, mas também é preciso estarmos atentos, pois é nestas alturas que também podem surgir boas oportunidades. Tal como na altura, felizmente outras nacionalidades foram substituindo os clientes de Angola, não só turistas mas também residentes. Neste momento estamos mais assentes nos franceses, nos americanos e nos brasileiros. São nacionalidades que, com as turbulências que se vivem lá fora, procuram Portugal porque pretendem continuar na Europa, mas afastados das zonas de conflito”, frisa.
Foco na sustentabilidade
José Cardoso Botelho, CEO da Vanguard Properties, está alinhado com estas opiniões e sublinha que não devemos generalizar. “A conjuntura atual exige reflexão e simultaneamente algum discernimento na análise. Algumas marcas premium e de luxo, têm sofrido alguma turbulência, especialmente aquelas que foram à procura de uma clientela que procura mais tendência e moda, mais jovem e mais exposta a alterações no ciclo económico. Assim, a Hermès, verdadeira marca de luxo, cresceu no 3º trimestre de 2024 cerca de 11% e a Gucci decresceu 26%, nomeadamente na China e no Japão, factualidade que mostra que nem todas as marcas são impactadas da mesma forma. O setor de luxo é o mais resiliente de todos, desde que as marcas sejam capazes de resistir à tentação de, por vezes, estender demasiado a sua gama de produtos e o nível de serviço, havendo inúmeras marcas que ao longo dos anos cometeram essa loucura e nunca mais regressaram ao ponto de partida (veja-se o caso da Pierre Cardin). No setor imobiliário, os segmentos premium e de luxo, são resilientes e com crescente procura. Se olharmos para as branded–residences de marcas de luxo, hoteleiras e não hoteleiras, em menos de três anos, o pipeline terá subido de 50.000 unidades para mais de 100.000 unidades e a crescer. Portugal, em breve, será exposto a este tipo de produto que acredito que venha a ter sucesso. Setores como o imobiliário de luxo precisam de redefinir a sua proposta de valor, ajustando-se a uma nova realidade onde a sustentabilidade tem agora grande importância a par da autenticidade, os serviços oferecidos e a customer experience e a exclusividade. Vejo este momento como uma oportunidade para reavaliar estratégias e reforçar aquilo que realmente diferencia as marcas que prosperam: atenção aos mais pequenos detalhes, qualidade sem compromissos e uma obsessão pelo serviço ao cliente“, defende.
No entanto, defende que o mercado terá de implementar algumas mudanças para fazer face à evolução do mercado. “Portugal tem demonstrado, ao longo dos últimos dez anos, uma capacidade notável de adaptação, muito alicerçada no seu caráter de país atrativo para residir, investir e visitar. No entanto, para responder a esta possível crise, acredito que o mercado terá de se reposicionar em algumas áreas. Por um lado, será essencial diversificar a oferta de qualidade, promovam a sustentabilidade e estejam alinhados com as necessidades reais do mercado. Por outro, a inovação terá de ser central, desde o design de produto até à experiência do cliente. Além disso, os players do mercado terão de se unir para garantir uma promoção internacional eficaz e contínua de Portugal como destino de excelência. Estamos numa posição privilegiada, mas é crucial que mantenhamos o ritmo de evolução e não tomemos o sucesso por garantido. E é preciso que o Estado ajude – menos burocracia, menor tempo de licenciamento, e investimento nas infraestruturas. É fundamental investir em inovação, não apenas tecnológica, mas também em termos de design e funcionalidade, criando produtos que respondam a necessidades reais. Além disso, as marcas devem apostar numa comunicação que estabeleça uma conexão genuína com os seus públicos, baseada na confiança, transparência e no valor intrínseco daquilo que oferecem. Assim, estarão não só a prevenir crises futuras, mas também a construir uma relação mais resiliente com o mercado”, conclui.
Inovar e olhar para as novas gerações
Tanto Francisco Carvalheira como Sónia Teixeira são de opinião que “estamos no momento certo para repensar o luxo”, que é tempo de mudar mentalidades. “Do meu ponto de vista, olhando para as gerações mais novas, o recicle ganha um ênfase enorme, já que, ao privilegiar a compra em segunda mão – dos mais variados artigos – se poupa o ambiente. Lojas como a fashionphile.com, apenas para dar um exemplo, passaram a ser vistas como um local de status. O mindset das novas gerações é diferente, exercendo uma enorme influência nos pais, que atualmente se encontram entre os 40 e 60 anos. A Hästens é uma marca de nicho. Não utiliza materiais reciclados – apenas materiais naturais não tratados com químicos –, o que determina que o que vem da natureza a natureza absorve, não causticando o planeta. As políticas sustentáveis da empresa, a produção artesanal e não-massificada, local, dando emprego a várias gerações da mesma família, tem sido mantida. Todas estas características, que o mercado valoriza, têm mantido uma constância nas vendas no nosso mercado. A marca cresce no setor hoteleiro, que não só começa a perceber a necessidade de diferenciação, como o facto do upgrade para camas e acessórios Hästens se repercutir no ROI”, explica Sónia Teixeira. A solução pode passar por entender e escutar o mercado: “hoje o ‘novo luxo’ é a saúde e estar bem por fora e por dentro!”, conclui.







