A The Body Shop atravessa uma nova fase na Península Ibérica. Em conversa com os seus responsáveis em Portugal e Espanha, percebemos como a marca se está a reinventar — com estratégia local, novos canais e vontade de recomeçar.
Nem todas as crises matam uma marca. Algumas obrigam-na a lembrar-se de quem é — e de onde veio. Foi isso que aconteceu com a The Body Shop, que se prepara para celebrar 50 anos de história com a consciência de que o tempo, por si só, não garante relevância. Uma marca pode atravessar décadas, manter clientes fiéis e produtos reconhecíveis, mas basta um abalo na estrutura — uma venda precipitada, uma cadeia de fornecimento comprometida, uma decisão estratégica falhada — para que tudo fique em suspenso. Nos últimos meses, foi isso que a The Body Shop viveu: o risco real de se perder num mercado que já não perdoa fragilidades.
Mas também foi isso que a obrigou a repensar o seu modelo, a recentrar prioridades e a voltar ao essencial: bons produtos, canais eficientes, proximidade com quem compra e uma causa que ainda faz sentido. Em Portugal e em Espanha, essa reinvenção já está em curso — e tem dois rostos determinados a levá-la a bom porto: Benedetta Petkova e Diego Ortiz de Zevallos.
“Foi um choque para todos”, recorda Benedetta, atual responsável pela operação ibérica. “Mas também uma oportunidade rara: reinventar a The Body Shop localmente, com lojas próprias, um sistema de e-commerce eficiente e uma abordagem multicanal mais humana e mais direta”.
Uma crise global, uma resposta local
O final de 2023 trouxe uma reviravolta: a venda da marca pelo grupo Natura ao fundo de private equity Aurelius por um valor simbólico. A casa-mãe no Reino Unido entrou em recuperação judicial, e o impacto fez-se sentir de forma imediata em todo o ecossistema europeu. Em mercados como França ou Estados Unidos da América, o desfecho foi o encerramento de lojas. Mas na Península Ibérica, a reação foi outra.
“Vimos ali uma oportunidade”, explica Diego, que já liderava a operação ibérica como CEO. “A proposta era simples: transformar Espanha e Portugal num mercado de franchising autónomo. E resultou.”
Desde então, a dupla opera os dois países com independência operacional, adquirindo os produtos à equipa central no Reino Unido, mas desenvolvendo estratégias de marketing e distribuição localmente.
Do produto ao impacto — com substância
Parte do que mantém viva a marca é a fidelidade de quem a usa. “Há um lado ativista, sim, mas antes disso há um produto que funciona”, defende Diego. “A qualidade é constante, a relação preço-valor é muito equilibrada, e cada compra tem impacto — seja através de ingredientes de origem responsável, seja pelo apoio a comunidades específicas.”
A manteiga de karité produzida por cooperativas femininas no Gana ou o plástico reciclado recolhido por iniciativas locais na Índia são apenas dois exemplos concretos do modelo. Mas, mais do que um selo ou uma promessa vaga, o compromisso é narrado na loja — pelas mãos de quem está por trás do balcão.
“Contamos as histórias através das pessoas”, sublinha Diego. “A eficácia do produto, claro, mas também a sua origem, o seu impacto, o seu caminho até chegar ao cliente”.
Digital com alma, logística com cabeça
Um dos maiores avanços na nova gestão foi a transformação do canal digital. Em apenas três meses, as equipas lançaram novas plataformas de e-commerce para Portugal e Espanha, com base numa infraestrutura já testada nos Balcãs. A operação logística foi descentralizada, com um centro de distribuição a funcionar a partir do Porto.
“Antes, as entregas levavam até nove dias a chegar ao destino. Agora, chegam em 48 a 72 horas”, resume Diego. “É mais rápido, mais económico — e o cliente sente a diferença.”
Mas não se trata apenas de tecnologia. Com acesso direto às redes sociais, a marca aposta agora em conteúdos locais e próximos da realidade de quem consome: campanhas no Instagram e no TikTok, foco em Reels e uma comunicação menos genérica, mais sensorial. “O digital é uma grande oportunidade para nós”, reconhece Benedetta. “Mas com conteúdo que fale a mesma língua do cliente”.
A loja física continua a contar
Portugal como mercado estratégico
Rumo aos 50 com vontade de surpreender
O futuro passa pela inovação de produto — com novidades previstas a partir de 2026 — mas também pela reativação de canais e formatos de venda. Para Diego e Benedetta, esta é uma marca que tem ainda muito para dizer.
“É normal que uma marca com quase 50 anos tenha altos e baixos”, reconhece Diego. “O importante é que continuemos a surpreender.”
“E que continuemos a ser relevantes — não só porque fazemos bem, mas porque fazemos sentido.”
Quem lidera a nova The Body Shop em Portugal e Espanha?
Benedetta Petkova nasceu na Bulgária e tem uma ligação pessoal à The Body Shop desde a infância — quando os produtos da marca lhe chegavam às mãos pelas malas da mãe, vinda de viagens pela Europa. Aos 20 anos, tentou trazer a marca para o seu país, sem resposta. Anos mais tarde, tornou-se ela própria responsável pela expansão da The Body Shop na região dos Balcãs, onde liderou a entrada em mercados como Kosovo, Macedónia do Norte e Albânia. Está há quase uma década ligada à marca e é hoje uma das vozes mais envolvidas na nova fase ibérica.
Diego Ortiz de Zevallos assumia já o cargo de CEO da The Body Shop para Portugal e Espanha quando começou o processo de transição. Com formação em marketing e larga experiência em gestão de marcas de retalho, foi um dos autores do plano que transformou a operação ibérica num mercado de franchising independente. É ele o responsável por traçar as linhas estratégicas locais e assegurar que a identidade da marca se mantém — com foco no cliente, no desempenho e no lado humano de cada produto.










