Colocada sob administração judicial, a maison Loro Piana enfrenta um escândalo laboral que compromete o ideal do luxo silencioso — e levanta dúvidas sobre toda a cadeia produtiva italiana.
Frequentemente associada a um certo ideal de perfeição: tecidos raros, corte irrepreensível, a promessa de conforto extremo sem necessidade de ostentação, a Loro Piana viu, esta semana, esse imaginário seriamente abalado. Um tribunal de Milão decidiu colocar a marca — símbolo superlativo do chamado “quiet luxury” — sob administração judicial durante um ano, após revelações de exploração laboral na sua cadeia de produção.
A decisão não é inédita, mas o seu alvo é especialmente simbólico. Pela primeira vez, a justiça italiana expõe uma marca do grupo LVMH a este tipo de medida, pondo em causa não só a sua reputação como a narrativa de ética discreta que o luxo contemporâneo vem tentando afirmar.
O que está em causa?
A investigação, conduzida pela unidade de crimes económicos de Milão, revelou que a produção de casacos de cashmere da Loro Piana estava a ser subcontratada a empresas-fantasma, que por sua vez delegavam a produção a oficinas clandestinas geridas por cidadãos chineses na Lombardia. Segundo a Reuters, estas oficinas empregavam trabalhadores imigrantes, muitos sem documentação, sujeitos a jornadas de trabalho de até 90 horas por semana e remunerações de apenas 4 euros por hora.
O Financial Times avança ainda que os trabalhadores eram obrigados a dormir no próprio local de trabalho, sem condições de segurança ou dignidade. Num dos casos, um operário terá sido agredido fisicamente ao reclamar salários em atraso, ficando incapacitado durante mais de um mês.
Apesar de a Loro Piana não estar formalmente acusada de envolvimento direto, o tribunal considerou que houve uma “culpável falha de supervisão”, permitindo que estas práticas se mantivessem por negligência ou conveniência comercial. A marca terá agora de implementar auditorias, rever os seus critérios de subcontratação e responder perante um administrador judicial independente.
O que é a administração judicial?
É uma figura jurídica prevista na legislação italiana para empresas que, mesmo sem responsabilidade penal direta, beneficiam de atividades ilegais cometidas por terceiros em sua representação. A administração judicial tem como objetivo interromper estas práticas e promover reformas internas. A medida pode durar até dois anos, sendo suspensa se houver provas de cumprimento efetivo das exigências impostas.
Uma tendência que se repete
O caso da Loro Piana insere-se numa tendência crescente de escrutínio sobre a indústria do luxo em Itália. Desde 2023, outras quatro marcas foram alvo de medidas semelhantes:
– A Dior, também pertencente à LVMH, foi colocada sob administração judicial em 2024, depois de se apurar que vários dos seus fornecedores operavam com trabalhadores em situação irregular. A marca implementou um plano de correção e viu a medida ser levantada em 2025.
– Já a Valentino foi visada em maio deste ano, após se verificar que parte da produção era realizada por uma rede de ateliers ilegais na periferia de Roma, com salários abaixo do mínimo legal e ausência de contratos de trabalho.
– A Giorgio Armani enfrentou o mesmo tipo de ação judicial no final de 2024, sendo obrigada a reformular os seus processos de verificação de fornecedores. O caso foi considerado exemplar pela rapidez com que a casa implementou mudanças — e a vigilância foi suspensa seis meses depois.
– Mais antigo, o caso da Alviero Martini serviu de precedente. A marca foi colocada sob supervisão em 2023 e encerrou o processo com sucesso, depois de provas de conformidade demonstradas ao fim de um ano.
Segundo o Business of Fashion, estes episódios revelam que a terceirização excessiva — e muitas vezes opaca — continua a ser o elo mais frágil da produção de luxo em Itália, mesmo em casas com certificações e códigos de conduta internos.
Loro Piana - Um embaraço para a LVMH
A Loro Piana é uma das marcas mais discretas e valorizadas do portefólio da LVMH. Representa o luxo silencioso, livre de logótipos, alicerçado na qualidade extrema dos materiais e no savoir-faire quase invisível da costura perfeita. Este escândalo fere esse posicionamento — e coloca pressão sobre o novo CEO, Frédéric Arnault, nomeado em março de 2025.
A WWD confirmou que o administrador judicial designado já iniciou funções, com poderes para acompanhar os fluxos operacionais e impor reformas estruturais. Espera-se que a marca publique um relatório de progresso no final de setembro, sendo possível que, caso cumpra as exigências legais, a medida seja suspensa antes do prazo previsto.
Mais que a reputação de uma marca, está em jogo a credibilidade de todo um setor que se tem apresentado como exemplo de produção ética e sustentável. Para os consumidores mais atentos, sobretudo as novas gerações, esta é uma oportunidade para exigir transparência real. A retórica de exclusividade, refinamento e consciência ética só será credível se for acompanhada por uma vigilância séria sobre todos os elos da cadeia. Num momento em que o “Made in Italy” continua a ser uma bandeira de excelência, resta saber se os compromissos assumidos pela indústria se traduzem em ações — ou apenas em silêncio bem gerido.







