Por entre frascos de vidro impecavelmente desenhados, Baptiste Bouygues convida-nos a mergulhar na sua história. Fundador da Ormaie, ele é mais que um perfumista: é um contador de histórias olfativas.
Cada fragrância que cria é uma ponte para suas memórias, um convite a explorar o passado com o olfato como guia. “Os aromas são como fotogramas de um filme que permanece em nós”, explica Baptiste, enquanto inicia a nossa viagem pelos 10 perfumes que compõem o universo da Ormaie. Cada um é um capítulo da sua vida, um fragmento cuidadosamente destilado de emoções e experiências vividas.
“A minha mãe (Marie-Lise Jonak) foi uma das melhores diretoras criativas do mundo no que toca a fragrâncias. Assim, desde criança que andava pelos gabinetes dos perfumistas enquanto eles testavam as fragrâncias. Lembro-me da minha mãe fazer o “L’Instant” de Guerlain, com o Maurice Roussel. Sempre soube que, tal como ela, eu queria contar histórias através das fragrâncias. Queria contar histórias pessoais sobre as minhas obras de arte favoritas, os meus livros favoritos. As melhores canções de amor são assim, quando somos jovens de 20 anos, com todos aqueles sentimentos – se a canção for capaz de os traduzir, é isso que vai tocar as pessoas: honestidade e criatividade”, começa por explicar.
Quando criou o seu primeiro aroma, na altura trabalhava em moda, na casa Givenchy com Ricardo Tisci. Mas a descoberta da arte de criar fragrâncias foi tão visceral que a primeira coisa que fez foi pedir a demissão. “Assim que senti o aroma pensei: bem, ok, vamos lá!”. Baptiste, hoje com 35 anos, partilhou esta jornada com a mãe, a quem se juntou para fundar a Ormaie, que deve o nome aos olmos (orme, em francês) do jardim dos avós. “Queríamos contar histórias diferentes, não que fosse só um conceito de marketing. O meu processo criativo é muito pessoal, é como fazer um álbum de memórias. E o que é surpreendente quando se trabalha com a nossa mãe é que temos a mesma memória olfativa. Assim, posso dizer facilmente: ‘isto cheira muito ao sabão da casa da minha avó’ e ela saberá exatamente do que estou a falar”, conta.
A primeira fragrância a nascer na casa Ormaie foi a “Les Brumes”, mas acabaram por fazer sete fragrâncias. Ou seja, o aroma de estreia da casa não foi um aroma, mas uma coleção deles. Cada qual com a sua história.
Ormaie - Aromas que são pessoas e lugares
“Yvonne” é uma homenagem à avó de Baptiste. “É o nome dela e tem subjacente uma ideia de feminilidade. Tanto o original como a versão extrato, mais recente, são muito chiques. É um acorde das fragrâncias que a minha avó costumava usar: o patchouli, as rosas, a bergamota. É o que chamamos um chypre. Mas quis que tivesse um toque de modernidade e por isso tem frutos vermelhos. A minha avó adora. Não gostou que tivesse o nome dela, mas agora pede-me frascos o tempo todo para oferecer às amigas da igreja – e eu fico super-feliz”, conta o perfumista.
“Depois temos o ‘Le Passant’, que é o cheiro que me recorda o meu pai, que saiu de casa quando eu era criança, e significa ‘o homem que passou por aqui’. Basicamente, o meu pai costumava usar uma fragrância incrível de lavanda chamada “Pour un Homme de Caron”, mas eu quis aquela lavanda com toques de baunilha. Ele também andava sempre com Papel D’Armenie nos bolsos, que é um papel que se queima e cheira a benjoim, um cheiro resinado. Por pouco não lancei esta fragrância, pois é muito emocional”, conta.
Continuando nas pessoas, o “Tableau Parisien” foi inspirado numa ex-namorada de Baptiste e por isso é muito especial. “E ela é uma atriz francesa que, quando nos conhecemos, ignorou-me completamente. Por isso, queria algo que me lembrasse da indiferença parisiense. É um aroma muito feminino e casual, com tuberosa mas com um toque de rosa e especiarias. Para mim, faz lembrar quando se vê um filme de Jean Luc Godard e se vê Anna Karenina a fumar um cigarro num café francês parisiense. É também uma homenagem a Paris. Baudelaire fez os Dessins Parisiens. Hemingway, quando chegou a Paris, escreveu: Paris é uma festa. E eu concordo”.
“18-12” contém outra homenagem, desta vez à mãe do perfumista: “é o dia 18 de dezembro, que é o dia de aniversário da minha mãe. É um aroma muito chique, muito parisiense, super-feliz. Tem amêndoa, toques de cereja e lichia, que lhe dá exotismo”.
“Les Brumes” significa névoa e “é aquela ideia da neblina matinal num campo de citrinos. É quase como imaginar a água que vai da fruta para a madeira, depois vem um cítrico chique, um sândalo elegante e um toque de gengibre. Para mim, é quase como usar uma camisa de linho da Loro Piana. Parece simples, mas é sofisticado”.
O conceito do “28º” nasceu de um passeio no campo, com amigos, no Sul de França. Neste campo sentia-se o cheiro do jasmim e da flor de laranjeira, destas flores brancas tão femininas. E a minha amiga ao meu lado estava a usar monoi no cabelo, por isso dá para sentir o cheiro do monoi e do karité, super-solar. Cheira aos verões na Provence, com sol, lavanda, mel figos. Quis capturar a essência das tardes preguiçosas ao ar livre”.
E este, “Papier Carbone”? “Este é sobre a minha infância. Papier Carbone significa papel químico, o papel com que fazíamos cópias na escola. Eu vivi em casa dos meus avós durante algum tempo, por isso estudei na mesma escola primária que a minha mãe, e até o papel químico era o mesmo! Queria algo que me fizesse lembrar as mesas de madeira, o papel, a biblioteca”.
“Toï Toï Toï” é outro aroma que nos leva a viajar. “Significa boa sorte em alemão. E é o que se diz aos bailarinos antes de subirem ao palco. Os nossos escritórios ficam mesmo ao lado da Ópera Garnier e eu quis fazer algo que me recordasse a ópera. E é o cheiro quente como o dos teatros. Quase me faz lembrar, sabe, quando se vai a uma igreja protestante, onde tudo é de madeira, e sentem o cheiro do incenso, das ceras das velas. Quase que se consegue sentir o cheiro da cera dos sapatos dos bailarinos”.
“Marque Page” remete novamente para o pai do perfumista. “O meu pai costumava viajar com um marcador de livros em pele. Adoro esse cheiro do couro, é quase como ir a um souk em Marrakech: as especiarias, o couro, o incenso a queimar, a resina. É exótico. A inspiração por trás disso foi muito a terracota laranja, com a luz a passar nos arabescos das janelas, as portas do souk, é toda aquela arquitetura islâmica”.
Por fim, “L’Ivrée Bleue”, uma viagem ao passado de viagens de Baptiste. “Tive uma infância muito diferente, morei em imensos lugares: na Alemanha, na Tailândia, na China, nos Estados Unidos, na América do Sul. Agora estou em Paris, mas não sou parisiense, sou do mundo. Numa determinada altura vivi num barco, com a minha mãe, na Tailândia. Trabalhei em minas de ouro na América do Sul. Essas experiências acabaram por ser uma grande inspiração para mim. Encontro uma energia verdadeira em diferentes culturas. Então, temos a bauninha de Madagascar, temos a essência da cana-de-açúcar. Temos Benjoim, temos cacau, para lhe dar amargura. E em cima disso, temos toques de cores, como íris e lis, o que também faz com que seja muito feminino”.
Criatividade absoluta
A coleção estava criada, faltava agora enfrascá-la. “Tudo precisava de fazer sentido. Porque em casa tínhamos muitas esculturas de perfumes – eram os prémios que a minha mãe tinha ganho, pois naquela época as fragrâncias (e os seus frascos) eram muito criativas. Eu queria isso mesmo: criatividade absoluta”, frisa, acrescentando: “Quando olhamos para os frascos antigos da Guerlain ou da Yves Saint Laurent, vemos que eram objetos lindos, super-luxuosos. Lembro-me desta história que envolveu o Pierre Dinand, que é um incrível desenhador de frascos e que desenhou, por exemplo, o “Opium”, da Saint Laurent. Acho que o próprio YSL perguntou-lhe se ele queria tomar LSD para se inspirar para desenhar aquele frasco. Ele recusou, mas disse que o objetivo era mesmo esse: criatividade absoluta. E, surpreendentemente, o Dinand ligou-me há dois anos e disse: ‘quando vejo os vossos frascos, fico muito feliz, porque isso significa que algumas pessoas ainda fazem obras de arte’”.
Os frascos Ormaie são, de facto, diferenciadores. Sobretudo as tampas, esculpidas em madeira, manualmente, para ajudarem à narrativa poética dos aromas. “O meu avô costumava esculpir. Não era o seu trabalho, era mais um hobby. Todas as noites, quando chegava a casa, costumava esculpir coisas incríveis. E eu podia observá-lo durante horas e esculpir madeira. Acho que fiquei marcado por isso”, recorda Baptiste.
Sustentabilidade silenciosa
Desde o início que a Ormaie se comprometeu a criar perfumes que fossem sustentáveis. Todas as fragrâncias são formuladas exclusivamente com ingredientes naturais, uma questão de princípio que é também uma declaração de respeito pela natureza e pelos consumidores que valorizam a transparência e a responsabilidade ambiental. Mas a sustentabilidade é algo que a marca simplesmente pratica, não comunica. “Nós somos muito parisienses, mas também somos do campo. E em França temos uma expressão que fala do ‘bom senso do campo’. É normal e é o nosso trabalho tornar as coisas sustentáveis. Então a madeira vem de floresta renovável. O vidro é do único fabricante de vidro do mundo que utiliza apenas energia renovável. A areia para fazer as garrafas vem de 20 quilómetros da fábrica. As nossas caixas são feitas de papel parcialmente reciclado. Não usamos plástico. Quando se trata de matérias-primas, trabalhamos com pessoas que têm campos há centenas de anos”.
Se tivesse de escolher um favorito entre as suas criações, Baptiste é firme: “sou incapaz! Gosto de todos e uso todos. São perfumes muito livres, sem rótulos. Não coloco géneros nas minhas criações, as pessoas têm liberdade de escolher”.




















