Foi a primeira Birkin de sempre. E agora é também a mais cara da história: vendida ontem por 10,1 milhões de dólares na Sotheby’s Paris, esta carteira fez da Hermès uma marca de culto — e símbolo de capital.
Começou com um clip de unhas e acaba em dez milhões. Foi este o desfecho inesperado de um objeto improvável: a primeira Birkin da Hermès, criada a pedido de Jane Birkin durante um voo para Londres em 1984, acaba de ser vendida em leilão por 10,1 milhões de dólares (aproximadamente 8,6 milhões de euros). O leilão decorreu esta quinta-feira na Sotheby’s Paris, diante de uma plateia silenciosa, mas em disputa intensa. Nove licitantes — colecionadores privados, representantes de museus e investidores asiáticos — disputaram a peça durante pouco mais de dez minutos. O martelo caiu com um telefonema: o novo dono é um colecionador japonês anónimo, que a arrematou à distância.
Com esta venda, a carteira torna-se oficialmente a mais valiosa alguma vez transacionada em leilão, ultrapassando o recorde anterior, também detido por uma Hermès — uma Kelly Himalaya em pele de crocodilo com diamantes, vendida por 513 mil dólares em 2021. Este foi um momento de viragem: um acessório que, durante décadas, foi símbolo de exclusividade, tornou-se agora um ícone de culto global — e uma peça de museu.
Como nasce uma lenda
A história desta carteira começa com um imprevisto: num voo entre Paris e Londres em 1984, Jane Birkin, então com 37 anos, deixa cair o conteúdo da sua tote bag no corredor do avião. Ao seu lado viajava Jean-Louis Dumas, presidente da Hermès. A atriz e cantora britânica — conhecida pela beleza irreverente e pela vida boémia que levava em Paris — queixava-se de não encontrar uma carteira elegante e espaçosa, que servisse a sua vida de mãe de três filhos. Dumas escutou, tirou o saco de enjoo da frente do assento e desenhou um esboço.
Nascia ali, em pleno voo, a ideia que se tornaria a carteira mais cobiçada da Hermès — e das décadas seguintes. Alguns meses depois, o protótipo foi entregue a Birkin. Em couro preto, linhas clean, ferragens douradas e uma funcionalidade nova para a época: era possível usar aberta, semiaberta ou fechada com cadeado. Jane usou-a intensamente durante uma década. E personalizou-a como sempre fez com tudo o que vestia: colou autocolantes de instituições que apoiava (UNICEF, Médicos do Mundo), pendurou um corta-unhas, amarrotou-lhe as alças, deixou que o couro ganhasse a patine do tempo.
Em 1994, doou-a num leilão solidário. E em 2000, foi adquirida por Catherine Benier, uma colecionadora francesa que a manteve fora do radar durante 25 anos — até agora.
Mais que uma carteira
Jane Birkin nunca quis ser embaixadora de nada. Rejeitou contratos milionários, ignorou as convenções da moda e continuou a usar a sua carteira mesmo depois de se tornar um fenómeno. Nos anos 90, era habitual vê-la com a Birkin a abarrotar de jornais, cartas, óculos e snacks. Esse desleixo elegante foi, paradoxalmente, aquilo que a tornou um símbolo de autenticidade — algo raro num universo que vive da pose.
Durante anos, a atriz afirmou que não se revia na obsessão global pelo seu nome: “Admiro a Hermès, mas continuo a achar absurdo o preço da carteira. Se eu soubesse que ia tornar-se esse mito, talvez tivesse pedido royalties”.
Birkin morreu em 2023, aos 76 anos. O leilão agora realizado foi visto por muitos como um tributo silencioso à sua influência — e à forma como mudou, involuntariamente, a relação das mulheres com os acessórios de luxo.
O leilão da Sotheby’s Paris atraiu nomes de peso. Lauren Sánchez, nova mulher de Jeff Bezos, foi apontada como uma das licitantes, embora tenha abandonado a disputa antes do fecho. Fala-se também do interesse de celebridades como Kim Kardashian, Victoria Beckham e até Rihanna, todas elas colecionadoras assumidas de carteiras Hermès. Mas o nome do comprador final permanece confidencial — sabe-se apenas que terá sido um colecionador sediado no Japão com ligações ao mercado da arte.
Antes da venda, a carteira foi exibida em Nova Iorque, Hong Kong e Paris, sempre sob apertadas condições de segurança. A Sotheby’s descreveu-a como “um artefacto singular da história contemporânea da moda” — algo que justifica o valor muito acima dos preços praticados até aqui.
A licitação final terá sido quatro vezes superior à estimativa base, o que surpreendeu até os especialistas da casa leiloeira.
O poder das mãos certas
A Birkin é, hoje, um ativo financeiro alternativo, valorizado acima de índices bolsistas, com listas de espera, corretores especializados e seguradoras dedicadas exclusivamente a coleções da Hermès.
Mas poucas terão, como esta, a aura de uma origem tão literal. A carteira vendida agora não é um modelo raro — é a primeira de todas, usada por quem lhe deu nome, com as marcas do tempo e do estilo de vida que hoje é estudado, copiado e celebrado. E é, também, um lembrete: o luxo verdadeiro não nasce em vitrinas — nasce da escuta, da necessidade, do acaso e da boa vontade criativa.
Epílogo em leilão: do ridículo ao sublime
A Birkin original de Jane Birkin, vendida por 10,1 milhões de dólares, pode ter roubado os holofotes esta semana, mas não está sozinha no pódio dos disparates deliciosos que o mundo da moda (e adjacências) está disposto a pagar. O topo da tabela continua reservado a um par de sapatos vermelhos que atravessaram um caminho de tijolos amarelos até ao Guinness: os ruby slippers usados por Judy Garland em O Feiticeiro de Oz foram arrematados em dezembro de 2024 por 32,5 milhões de dólares, tornando-se o objeto de memorabilia cinematográfica mais caro de sempre.
Em comparação, a carteira de Jane Birkin — com toda a sua história, uso e autenticidade — até parece comedida. Mas dentro do universo das carteiras e acessórios de moda, reina sem rival. Antes dela, o recorde pertencia a outra Hermès: uma Kelly Himalaya em pele de crocodilo com diamantes, vendida por uns respeitáveis 513 mil dólares. Um preço que agora parece quase moderado, como quem diz “leve duas pelo preço de uma Birkin”.
Mais abaixo na tabela, mas com o mesmo dramatismo, encontramos o vestido transparente com que Marilyn Monroe sussurrou “Happy Birthday, Mr. President” a JFK, um nude, cravejado de mais cristais do que pano, vendido em 2016 por 4,8 milhões de dólares e que causaria escândalo novamente quando Kim Kardashian o usou, décadas depois, na passadeira da Met Gala (num dos momentos mais discutidos da cultura pop contemporânea, por boas e más razões).
Para os que acham tudo isto insensato, convém lembrar que também se pagaram 17,8 milhões de dólares por um relógio Rolex Daytona que pertenceu a Paul Newman. E há quem diga que foi barato, tendo em conta que se pode usar.
Moral da história? No mercado do luxo, o valor real raramente está nos materiais. Está na aura, na origem, no contexto e — convenhamos — na narrativa bem contada. Como esta.
















