Numa altura em que o debate sobre o acesso à habitação em Portugal se intensifica, o investimento estrangeiro no mercado imobiliário tem sido apontado como um dos grandes culpados. Mas será essa acusação justa? Ou estaremos a ignorar o verdadeiro potencial transformador destes investidores internacionais e a esquecer o essencial – planear uma resposta inteligente, estruturada e sustentável à procura crescente?
Nos últimos anos, o mercado imobiliário português tem vivido uma dinâmica sem precedentes. Atraídos pela estabilidade política, pela segurança do país, pelo clima, pelo sistema de saúde de qualidade e pelo ecossistema cultural e educacional cada vez mais vibrante, milhares de estrangeiros, muitos deles altamente qualificados e com elevado poder económico, escolheram Portugal como destino para viver, investir e criar valor. No entanto, à medida que o país se destaca no radar internacional, cresce também a tentação de “apontar o dedo” a este fenómeno como responsável pela escalada dos preços da habitação e pelas dificuldades crescentes de acesso para a classe média portuguesa.
Esta leitura simplista deixa de fora o contexto histórico e os fatores estruturais que moldam o mercado atual. O verdadeiro desequilíbrio começou na década que se seguiu à crise do subprime (2008-2018), durante a qual Portugal praticamente deixou de construir imóveis. Num país onde, em média, se construíram apenas 17 fogos por mil habitantes (face aos 45 da média europeia), a pressão sobre a oferta era inevitável, ainda mais num cenário de mutação profunda da estrutura familiar (mais divórcios, mais pessoas a viver sozinhas, agregados familiares mais pequenos). A recuperação da capacidade construtiva não acontece de um dia para o outro.
Investimento Internacional
Além disso, o mercado de luxo – onde se concentra grande parte da procura internacional – representa uma fatia relativamente pequena do total da oferta habitacional. E mais: este segmento pode, na verdade, ser uma âncora para o desenvolvimento urbano e para a criação de novas centralidades. O exemplo das branded residences é paradigmático e mostra que este tipo de produto, ainda emergente em Portugal, tem o potencial de projetar o país para um novo patamar de sofisticação e de diferenciação no panorama internacional, enquanto contribui para a reabilitação de património, para a dinamização económica e para a criação de emprego qualificado no país.
É necessário, pois, recentrar o debate. O problema da habitação em Portugal reside, sobretudo, na falta de resposta adequada à procura da classe média. E a resposta não está em afastar o investimento estrangeiro, mas sim, em atrair o investimento certo e nas condições certas. Fundos institucionais de grande escala, como os fundos de pensões nórdicos ou americanos, podem desempenhar um papel determinante na promoção de projetos habitacionais de grande dimensão, com economias de escala e processos de construção mais eficientes e sustentáveis. Mas, para isso, o país precisa de garantir um ambiente regulatório competitivo, ágil e transparente. Hoje, um promotor pode esperar até seis anos para ver um projeto aprovado e este tempo de incerteza traduz-se em custos financeiros significativos, que se refletem no preço final da habitação.
O custo das casas resulta, em última instância, de três fatores: o custo do terreno, o custo da construção e a margem do promotor. Todos eles estão profundamente afetados por entraves administrativos, por uma fiscalidade pouco eficiente e pela escassez de mão de obra qualificada. Se o Estado atuar decisivamente nestas áreas – reduzindo, por exemplo, os prazos de licenciamento, revendo a carga fiscal (incluindo o regime de IVA na construção e o IMT na compra) e promovendo a formação profissional no setor – poderá ajudar a contribuir para uma descida sustentada dos preços e para uma maior previsibilidade, tão necessária ao investimento privado.
Por fim, não podemos ignorar um dos maiores bloqueios estruturais ao acesso à habitação em Portugal: os baixos salários. A verdadeira métrica da acessibilidade habitacional não está apenas no preço por metro quadrado, mas no rácio entre o salário médio e o preço do metro quadrado. Quando este rácio nos coloca atrás de países com custo de vida semelhante (ou mesmo inferior) é sinal de que a resposta também tem de passar por políticas salariais mais ambiciosas e que acompanhem, sobretudo, o crescimento económico.
Demonizar o investimento estrangeiro é perder uma oportunidade histórica, já que Portugal tem todos os ingredientes para liderar uma nova era de regeneração urbana inteligente, onde o capital internacional pode ser parceiro e não adversário. Ignorar esta possibilidade é escolher a estagnação em vez da inovação, o medo em vez da estratégia. A questão não é quem investe, mas como, onde e com que visão de futuro. E, essa resposta está, em grande parte, nas mãos do Estado português.
Duarte Marques, New Development Director na Portugal Sotheby’s International Realty







