No topo do mercado da arte, o silêncio está a substituir o espetáculo: cada vez mais colecionadores preferem vender — e comprar — através de leilões privados e altamente seletivos, onde o convite é o novo bilhete de entrada.
Há um novo palco no mercado da arte — e é, curiosamente, invisível. Em vez das salas repletas de câmaras, especuladores e aplausos, multiplicam-se os leilões por convite, onde a licitação ocorre entre um punhado de colecionadores, todos previamente aprovados, e frequentemente ligados por códigos de confidencialidade. Aqui, não há lugar para o improviso: tudo é orquestrado ao milímetro, incluindo a ausência de público.
Este formato, cada vez mais procurado, está a alterar a dinâmica dos grandes negócios. O que começou como uma resposta prática às limitações da pandemia consolidou-se como tendência. Se antes se vendia com visibilidade e estatuto, agora vende-se com discrição e controlo. “Algo mudou com a Covid — os leilões nunca mais foram o que eram”, resume um colecionador citado pelo Financial Times.
Mas o fenómeno vai além das limitações sanitárias: há hoje uma nova sensibilidade no topo do mercado — menos centrada na ostentação e mais focada na privacidade, no controlo e na gestão estratégica dos ativos artísticos.
Basta olhar para alguns dos casos mais sonantes dos últimos tempos. Quando o artista e restaurador Michael Chow quis vender o Portrait of George Dyer Talking
(1966), de Francis Bacon, não recorreu a um leilão tradicional. Em vez disso, pediu à galeria Lévy Gorvy Dayan que organizasse uma venda por convite, em pleno verão, precisamente porque — como explicou Brett Gorvy — “é quando os colecionadores estão de férias nos seus barcos, sem outras distrações”. A obra, que partia de 50 milhões de dólares, foi disputada entre seis potenciais compradores cuidadosamente selecionados, entre eles o magnata israelita Eyal Ofer. A identidade do vendedor não foi oficialmente revelada, nem o valor final.
Outro exemplo paradigmático ocorreu com a venda do No. 6 (Violet, Green and Red) de Mark Rothko, intermediada pela Christie’s. A obra foi transacionada por cerca de 195 milhões de dólares entre o oligarca Dmitry Rybolovlev e o bilionário Ken Griffin, fundador do hedge fund Citadel. A operação teve lugar fora de qualquer sala de leilão — num acordo privado, com contornos competitivos, mas completamente longe do olhar público. A peça estava associada à longa disputa legal entre Rybolovlev e Yves Bouvier, tornando ainda mais clara a razão para o sigilo da operação.
Estes casos são ilustrativos de um novo paradigma onde o silêncio é, muitas vezes, uma forma de poder. Ao contrário das vendas privadas clássicas — que não incluem licitação — os leilões por convite mantêm o espírito competitivo, mas em ambiente controlado. Os participantes são convidados a título individual, assinam acordos de confidencialidade, e sabem que estão a participar num ritual exclusivo. A ideia de acesso restrito — e de estar entre os poucos com a possibilidade de adquirir uma peça de valor histórico — reforça o próprio desejo de compra.
Turbulência no mercado
O contexto económico também ajuda a explicar esta viragem. De acordo com o relatório Art Basel/UBS Art Market 2025, as vendas em leilões públicos caíram 20% em 2024, atingindo o valor mais baixo desde 2020. O segmento acima dos 10 milhões de dólares — justamente aquele onde a visibilidade é mais sensível — foi o mais penalizado. O número de licitadores diminuiu, sobretudo entre os compradores asiáticos, historicamente relevantes neste patamar. A somar-se a isso, a crescente relutância dos vendedores em expor fragilidades financeiras ou em associar o seu nome a obras envolvidas em disputas legais ou desvalorizações súbitas, ajuda a perceber porque é que o anonimato se tornou tão valorizado.
A psicologia da exclusividade tem aqui um papel decisivo. Como explicou Brett Gorvy, “os leilões públicos são democráticos — se tiver dinheiro, entra na sala. Nas privadas, tem de ser convidado”. E esse convite, ainda que silencioso, é um novo símbolo de pertença a uma elite dentro da elite.
Por fim, a tecnologia vem dar ainda mais robustez a este modelo. Plataformas como a Fair Warning, criada por Loïc Gouzer, estão a desenvolver o conceito de “leilões escuros”: sessões virtuais e por convite, onde os licitadores autorizados podem participar de forma totalmente anónima. É a fusão entre confidencialidade e competição, num cenário cada vez mais valorizado por quem prefere proteger a sua coleção — e a sua imagem.
Como funciona um leilão privado por convite?
- Apenas colecionadores previamente selecionados são convidados;
- A obra é apresentada em showrooms discretos ou armazéns privados;
- As propostas são feitas por telefone ou em sessões muito restritas;
- Os participantes assinam cláusulas de confidencialidade;
- A identidade do comprador e do vendedor pode nunca ser tornada pública.







