Com quase 100 anos de história, a Marcolino começou por ser uma relojoaria no coração do Porto e é, hoje, um espaço onde o tempo se vive, se partilha e se transforma em memória. Em conversa com a Fora de Série, Miguel Neves, COO e membro da segunda geração da família à frente da casa, partilhou a visão de futuro, o valor da experiência e a arte de transformar cada relógio numa história.
No Porto, onde as fachadas se rendem à luz do Douro e o tempo parece correr com outro ritmo, há uma montra que resiste ao efémero. Fundada em 1926, a Marcolino prepara-se para celebrar um século de existência. Mas Miguel Neves, parte da segunda geração ao leme da empresa, prefere falar do que está por vir: “Temos a tradição, sim, mas também a vontade de inovar e criar experiência. Porque hoje, o luxo está na forma como se vive o momento”.
A conversa com a Fora de Série decorre entre caixas de relógios, memórias familiares e planos ambiciosos para 2026. “Estamos a preparar várias ações para o centenário, mas decidimos fazer menos eventos — e melhores. O importante é deixar marca, no tempo e na cidade”.
O tempo como experiência
Mais do que uma relojoaria, a Marcolino tornou-se uma anfitriã de histórias. Representante de marcas como Rolex, Omega, IWC, Tag Heuer, Zenith, Blancpain ou Tudor, não compete apenas com produto, mas com experiência. “O cliente pode comprar um relógio em muitas casas. Escolhe-nos a nós porque gosta de estar aqui, porque se sente bem. Porque criamos memórias”.
Há quem entre com um motivo íntimo: o nascimento de um filho, uma data a celebrar, um momento que merece ser perpetuado. “Gravamos a data, o nome. É um gesto com valor emocional, mais do que financeiro. Já não se trata tanto de investimento — trata-se de marcar um momento”.
Esse compromisso com o lado emocional estende-se aos rituais da compra. Um novo modelo pode ainda não ter chegado à loja, mas isso não apressa o processo. “Queremos que o cliente entre, experimente, converse. Mesmo que não leve o relógio no momento, já viveu algo connosco.” Miguel sorri antes de resumir a filosofia da casa com uma frase que nos acompanha até ao fim da visita: “O luxo não se envia por correio dentro de uma caixa com bolinhas de ar”.
Digital por fora, artesanal por dentro
Num mundo cada vez mais digital, a Marcolino mantém uma abordagem híbrida. “O site serve para consulta, claro, mas o cliente chega já informado. Vem à loja para experimentar, sentir, viver o objeto.” Este paradoxo dos tempos modernos — entre conveniência e presença — é algo que a casa soube aprender a dominar com mestria. “O relógio é uma peça de contacto. E o contacto não se simula”.
O Porto como casa
É com a mesma convicção que se fala de território. Questionado sobre uma eventual expansão, Miguel Neves não hesita: “Não. Somos do Porto e é aqui que queremos continuar. Já há outros representantes em Lisboa, e respeitamos isso.” Em vez de abrir novos espaços, o foco está em aprofundar a relação com a cidade e com quem nela vive — ou a ela regressa.
Um exemplo? “No Natal fazemos a nossa própria iluminação, com uma festa e um concerto para os clientes. As pessoas já nos perguntam em outubro quando é que acendemos as luzes.” A fachada tornou-se ponto de visita, o interior, ponto de encontro.
O cliente de hoje e o tempo de amanhã
O público da Marcolino diversificou-se. Com o Porto cada vez mais cosmopolita, a clientela reparte-se entre portugueses e estrangeiros residentes. “Hoje é quase 50/50. Temos muitos americanos, britânicos, alguns brasileiros. E todos querem saber, tocar, experimentar.”
Mesmo os mais jovens, tantas vezes associados ao digital, não resistem à precisão mecânica. “O smartwatch não substituiu nada. Os jovens continuam a procurar complicações, movimentos, a magia do que está dentro da caixa.” Para muitos, o relógio continua a ser um gesto — de estilo, de memória, de passagem entre gerações.
O que o tempo nos ensina
Esse legado não se constrói sem cuidado. Por isso, a Marcolino investiu recentemente na remodelação da sua área de assistência técnica. “Criámos um espaço mais moderno, tipo laboratório clínico. Os clientes gostam de ver o que está por dentro. E nós queremos mostrar.” A ideia é acompanhar o relógio ao longo da vida — e das gerações. “Se queremos que passe de pais para filhos, temos de garantir a manutenção. Faz parte do nosso compromisso.”
E se o tempo é mestre, o futuro é mistério. Quando se pergunta como imagina a Marcolino daqui a 100 anos, Miguel responde com ponderação: “É muito tempo, claro. Mas a ideia é que continue na família. Que passe de geração em geração. Isso é o mais importante.”
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