A designer italiana despede-se da Dior após nove anos à frente da linha feminina da maison. Deixa um legado de empoderamento e perguntas em aberto sobre o rumo da casa francesa.
A 29 de maio, a Dior confirmou oficialmente: Maria Grazia Chiuri está de saída. Após nove anos como diretora criativa das coleções femininas da maison — Haute Couture, Prêt-à-Porter e acessórios —, a designer despede-se com palavras de gratidão e um desfile final em Roma, a cidade onde tudo começou para ela. “Após nove anos, deixo a Dior, feliz por me ter sido dada esta extraordinária oportunidade”, afirmou.
Na mesma nota, Delphine Arnault, Presidente e CEO da Christian Dior Couture, reforçou o simbolismo do momento: “Agradeço calorosamente a Maria Grazia Chiuri, que realizou um trabalho extraordinário com uma perspetiva feminista inspiradora e uma criatividade excecional. Escreveu um capítulo fundamental na história da Dior”.
Um capítulo feminista no coração da alta-costura
A entrada de Chiuri na Dior, em 2016, foi histórica por si só: a primeira mulher à frente da criação feminina da Dior. Mas foi o que fez a seguir que verdadeiramente marcou a década. Desde o manifesto feminista em t-shirts à recuperação do artesanato tradicional, passando por colaborações com artistas como Judy Chicago ou Mickalene Thomas, Chiuri fez da passerelle um espaço de afirmação, crítica e visibilidade.
Não foi só a estética que se transformou — foi a atitude. Numa indústria ainda dominada por figuras masculinas e estruturas hierárquicas, a sua liderança foi, em muitos sentidos, política. Mas também rentável: a marca conheceu, sob a sua direção, um crescimento sólido e uma renovada ligação com o público global.
Quem calça agora os sapatos de Chiuri?
CruiseA escolha de Roma como palco do último desfile não foi acidental. A coleção Cruise 2026, apresentada no início desta semana, foi uma ode à cidade natal de Chiuri e um encerramento simbólico da sua jornada na Dior. “Juntos, escrevemos um capítulo impactante do qual estou imensamente orgulhosa”, declarou, referindo-se ao trabalho das suas equipas e ateliers.
Este adeus não carrega o tom dramático de outros abandonos recentes — pelo contrário. Há serenidade, talvez mesmo alívio, num mercado em constante rotação.
Quem ocupará o seu lugar? As especulações são muitas. Jonathan Anderson, da Loewe, é um dos nomes apontados. Conhecido pela sua visão conceptual, pela teatralidade dos volumes e pela leitura contemporânea do artesanato, Anderson representa uma mudança de tom quase certa.
Outros nomes surgem em surdina: Simon Porte Jacquemus, cuja marca pessoal é uma das mais vibrantes entre os millennials; Sarah Burton, ex-Alexander McQueen, cujo trabalho discreto e emotivo poderia casar bem com o ADN da Dior; ou até um regresso de Phoebe Philo, que renasceu com a sua própria marca e cuja estética silenciosa encaixaria perfeitamente num luxo mais contido.
Crise criativa ou ciclo natural?
Esta saída não é isolada no mundo da moda. Já o tínhamos abordado, na Fora de Série AQUI e AQUI: o fenómeno do “entra e sai” nas casas de luxo está a tornar-se o novo normal. Só este ano, vimos Piccioli rumar à Balenciaga, Blazy à Chanel, Alessandro Michele à Fendi.
Num mercado que exige novidade constante, visibilidade mediática e resultados financeiros trimestrais, a posição de diretor criativo é mais ingrata do que glamorosa. O tempo para experimentar é mínimo. A pressão para agradar é máxima. Não admira que, passado algum tempo, muitos escolham partir — ou sejam discretamente convidados a fazê-lo.
A Dior que fica
O legado de Maria Grazia Chiuri será difícil de replicar — não tanto pelo traço estilístico, mas pelo espírito. Trouxe à Dior uma energia nova, feita de diálogo com o mundo e de feminilidade pensada em múltiplas vozes. Promoveu a representatividade, valorizou técnicas tradicionais de países longínquos, deu palco a causas.
Mas o seu impacto não foi apenas simbólico ou cultural. Sob a sua direção, a divisão de moda da Dior conheceu um crescimento económico notável: as receitas passaram de 2,2 mil milhões de euros em 2017 para 9,5 mil milhões em 2023, um salto impressionante que consolidou a marca como uma das mais fortes do universo LVMH. Apesar de uma ligeira retração em 2024, com as vendas a recuarem para 8,7 mil milhões (dados avançados pela Business of Fashion) — reflexo de uma desaceleração geral no mercado de luxo —, o balanço da era Chiuri é inequivocamente positivo.
O sucesso de Chiuri residiu na sua capacidade de conjugar legado e performance: deu nova vida a ícones como a Saddle Bag, apostou em colaborações artísticas com sentido, e reconfigurou a relação entre moda e discurso social, sem nunca perder de vista o apelo comercial.
Quando uma figura como Maria Grazia Chiuri sai de cena, a casa não fica vazia — mas o silêncio que se segue é sempre eloquente. A Dior prepara-se agora para escrever um novo capítulo. O futuro é uma tela em branco — e a Dior inspira fundo antes do primeiro traço













