A exposição “I Love Seeing You”, patente na galeria Her Clique até 30 de junho, é um espelho — mas não só da artista. É também um convite ao outro: a ver-se e rever-se na multiplicidade.
Um espelho que não reflete só quem o segura. Na Her Clique, em Lisboa, está patente até ao final de junho a mais recente exposição da artista Marie Tomanova. Chama-se “I Love Seeing You” e apresenta uma seleção de auto-retratos que a artista checa, radicada em Nova Iorque, tem vindo a produzir desde 2016. Não se trata, no entanto, de uma simples cronologia visual. Cada imagem é uma tentativa de pertença — ao tempo, ao lugar, ao próprio corpo.
Conhecida pelos seus retratos crus e íntimos da juventude nova-iorquina, Tomanova traz agora o foco de volta para si mesma. E nesse retorno, convida-nos também a regressar aos nossos próprios espelhos interiores. A exposição é uma viagem emocional e geográfica, feita entre dois continentes, várias linguagens visuais e um só fio condutor: a busca de identidade. Ou, como a própria artista resume: “Eu sou todas estas pessoas nas fotografias, e talvez tu também sejas”.
Em conversa com a Fora de Série, Marie Tomanova falou sobre a importância do auto-retrato, o papel da geografia na formação de identidade e o que significa crescer numa cidade onde a fronteira não era uma metáfora.
A exposição parte de uma viagem de auto-retratos iniciada em 2016. O que mais a surpreendeu neste percurso?
A transformação mais incrível para mim foi interna. Aprendi a aceitar-me exatamente como sou, talvez mais especificamente como artista. Perceber que tenho algo para dizer — e que digo. Que tenho algo para mostrar — e que mostro. Mas essa aceitação não é simples. Eu sou todas estas pessoas nas fotografias, e talvez tu também sejas. O poder destas imagens está em mostrarem os muitos lados que temos — até os que rejeitámos ou esquecemos.
O auto-retrato, neste caso, é menos um gesto de afirmação e mais uma busca?
Diria que é ambos. É uma afirmação de identidade, sim, mas também um processo de aceitação, um diálogo com o momento em que estou na vida. Os Auto-retratos na Natureza, por exemplo, surgiram quando me mudei para os Estados Unidos — foram uma forma de me ver nesse novo ambiente. Tocar a terra, a água, a casca de uma árvore: era uma maneira de criar ligação, tanto com o meu passado na República Checa como com o presente americano. Ao inserir o corpo na paisagem, ela passa a fazer parte de mim, e eu dela.
Os seus retratos da juventude nova-iorquina fizeram-lhe nome. Mas esta exposição traz o foco de volta para si.
Curiosamente, o trabalho Young American, onde retrato jovens em Nova Iorque, foi feito ao mesmo tempo que os auto-retratos. Ambos os projetos nascem da mesma inquietação: a vontade de pertencer — social e emocionalmente. E de certa forma, também esses retratos dos outros são auto-retratos. Escolhi fotografar pessoas com quem me identificava. Há sempre um pedaço de mim ali. Talvez todo o meu trabalho seja, no fundo, uma forma de auto-representação.
Cresceu numa cidade fronteiriça, com a Cortina de Ferro como cenário. Essa vivência influenciou a sua arte?
Profundamente. A fronteira era física, real — eu via os cães, as cercas, os postos de controlo. A minha cidade era um limite, literal. E mesmo depois da queda do muro, essa ideia de “não partir” persistia na geração da minha mãe. A minha geração foi a primeira a poder atravessar, a viajar. Por isso, o meu trabalho é também sobre isso: sobre ultrapassar limites, não criar novos. E, ao mesmo tempo, reconhecer a leveza — e a instabilidade — de viver entre mundos.
Sente que ser mulher e imigrante moldou a forma como o mundo da arte a vê?
Há uma vulnerabilidade muito presente nas suas imagens. É algo que procura ou que acontece naturalmente?
Tendo já exposto em lugares tão diferentes como Nova Iorque, Tóquio ou Arles, sente que há temas universais na sua obra?
Espero que sim. Claro que cada cultura reage de forma diferente: há lugares que se conectam mais à intimidade, outros à liberdade ou à nostalgia. Mas acredito que, no fundo, existe sempre uma camada humana comum — algo que atravessa fronteiras.
A sua história de vida foi retratada no documentário da HBO World Between Us. Como viveu essa experiência?
I Love Seeing You de Marie Tomanova
Galeria Her Clique, Largo do Contador Mor nº4, Lisboa
As visitas são agendadas mediante contacto prévio.
30 de maio a 30 de junho de 2025















