Neste artigo de opinião, Liliana Correia reflete sobre a urgência de uma nova ética para a moda de luxo: circular, consciente e duradoura.
A Chanel acaba de anunciar o lançamento da Nevold, uma entidade independente e colaborativa com o objetivo de desenvolver soluções concretas para a circularidade na indústria da moda e do luxo. Este passo representa mais do que um compromisso simbólico, é a materialização de uma nova forma de pensar o ciclo de vida das peças que produzimos, compramos e usamos. É também um alerta para “a escassez de matérias-primas virgens de alta qualidade e rastreáveis” que“exige uma resposta coletiva de todos os intervenientes da indústria”, referiram em comunicado. Por isso, a Nevold nasce como uma plataforma aberta a parceiros da indústria, da academia e da inovação tecnológica, com o propósito de repensar os modelos de produção e consumo, e assim contribuir para uma transformação estrutural e responsável do setor.
A iniciativa da Chanel não é um caso isolado. Outras grandes casas de luxo já começaram a explorar caminhos semelhantes. A Gucci, por exemplo, lançou a Gucci Vault, uma plataforma que inclui peças vintage da marca restauradas por artesãos internos. A Balenciaga lançou a linha “Re-sell Program”, e a Burberry aliou-se a plataformas de revenda como a Vestiaire Collective para promover a reutilização de peças. A Louis Vuitton tem investido em processos de upcycling e materiais reaproveitados nas suas coleções mais recentes. Todos estes gestos apontam para a mesma direção: o futuro da moda tem de ser circular.
Em Portugal, há também quem esteja a liderar esse movimento com criatividade e sentido de missão. Basta olhar para as portuguese girlies que fazem sucesso ao vender os seus guarda-roupas em mercados pop-up ou para o investimento em novas lojas de roupa vintage. Há cerca de um ano também eu lancei e sou responsável pela curadoria do evento Resale Gallery. Através dos meus serviços de organização de guarda-roupa e personal styling, entro nos armários das clientes não só para criar ordem, mas também para identificar peças de qualidade que, por falta de uso, podem merecer um novo destino. A Resale Gallery nasce dessa curadoria criteriosa e é um evento que oferece uma segunda vida a centenas de peças e acessórios de luxo, além de permitir o acesso a coleções de arquivo, cápsula ou peças únicas, sempre dentro de um universo de marcas prestigiadas — Chanel, Hermès, Louis Vuitton, Prada, Etro, M Missoni, entre muitas outras.
O sucesso da Resale Gallery mostra que o mercado está atento e que há um desejo crescente de consumir com mais consciência, sem abdicar da elegância, da exclusividade e da qualidade. Ainda assim, persistem algumas resistências, especialmente entre gerações mais velhas, que muitas vezes estão dispostas a vender, mas ainda sentem alguma hesitação em comprar peças em segunda mão. Essa hesitação contrasta com o comportamento das consumidoras francesas ou italianas, que navegam nas plataformas de resale, como a Vinted, a Vestiaire ou a RealReal, com a naturalidade de quem percebe que o valor de uma peça não desaparece com o tempo, muito pelo contrário.
A moda está a mudar, e tem de mudar. O valor real de uma peça de luxo está cada vez mais na sua durabilidade, no design intemporal, no corte perfeito, na qualidade dos materiais e na herança da marca. Peças bem feitas resistem às estações, às tendências e ao tempo. Comprar em segunda mão não é um gesto menor. É, em muitos casos, uma forma de aceder àquilo que a fast fashion não pode oferecer: exclusividade com consciência.
É urgente desmistificar a ideia de que comprar em segunda mão é “menos”. Menos digno, menos higiénico, menos interessante. Pelo contrário: é mais. Mais sustentável, mais económico, mais sofisticado. A circularidade não é apenas uma estratégia de negócio é um novo código ético da moda. E quando até as grandes casas como a Chanel acabam por reconhecer esse facto, deixa de existir espaço para resistências, só para escolhas melhores.
Liliana Correia, criadora da LC Fashion Consultancy e curadora do evento Resale Gallery







