Margarida Correia, CEO da Amorim Fashion, dá uma lição de história da moda que ajuda a explicar o que se está a passar com as grandes casas de moda.
O luxo deixa de ser uma coisa que uma pessoa tem, e passa a ser algo que nos define como pessoas. E é preciso mostrar essa nova pessoa ao mundo: bem-vindo à logomania.
A viragem dos anos 90 assinala assim o início de (mais) uma nova era do mundo do luxo. Numa altura em que tudo parecia possível, as pessoas estão ansiosas por reencontrar-se na nova ordem social, e os novos mercados de capitais ansiosos por monetizar esse apetite.
Negócios tradicionais transformam-se verdadeiros impérios globais. Surgem nesta altura os grandes grupos de luxo como a LVMH, a Kering e a Richemont, todas elas empresas públicas.
A partir deste momento, o luxo passa a ser sujeito à dinâmica dos mercados de capitais. A indústria recebe o forte investimento no setor e entrega tudo aquilo que era esperado, crescendo anualmente 6% durante mais de quatro décadas.
Mas o crescimento exponencial tem efeitos imprevisíveis. De repente, todos podem ter tudo, em todo o lado, a qualquer momento. Neste ambiente de capacidade de produção infinita, a exclusividade só pode ser conseguida através de elementos artificiais de escassez e, naturalmente, do preço. E esse é o caminho fácil: entre 2019-2023 o aumento dos preços representou mais de 80% do crescimento da indústria durante este período. (The State of Fashion, da McKinsey, Jan 2025).
E aqui surge a principal contradição do setor, que continua por resolver: como conciliar o volume do mass market exigido pelos mercados com a exclusividade do luxo?
Hoje, a instabilidade geopolítica impacta novamente a indústria, e o crescimento dos próximos anos não se antevê risonho. No nosso mundo global instável, o consumidor está cansado de produtos e marcas que deixaram de entregar qualidade, inovação ou diferenciação, e que são apenas “caras”.
E num ambiente em que os mercados são todo-poderosos, existe zero tolerância para resultados menos bons, o que torna praticamente impossível para as marcas investir numa visão de futuro e arriscar. As grandes casas de luxo continuam, uma e outra vez, a repetir a mesma receita que tanto sucesso trouxe à indústria, mas que hoje parece já gasta. Assim, quando as marcas não cumprem as expectativas de crescimento, em vez de repensarem fundamentalmente a sua relação com o consumidor e seu propósito na sociedade, estas marcas optam pelo caminho fácil de reestruturar as equipas criativas, numa aborrecida troca de cadeiras.
No momento em que este artigo é escrito, e apenas nos tempos mais recentes, Sabato De Sarno saiu da Gucci, Maria Grazia Chiuri em breve sairá da Dior, Sarah Burton deixou a McQueen para ir para a Givenchy, Alessandro Michele está na Valentino a repetir a sua receita de moda, e o mesmo com Hedi Slimane que saiu da Saint Laurent para a Celine. Mais do mesmo.
Apesar dos desafios, continuam a existir marcas que se conseguem conservar fiéis à sua essência e continuar a inovar. É o caso dos gigantes Chanel e Hermès, que mantêm uma estrutura acionista privada que lhes permite adotar uma estratégia de longo prazo, continuando a ser referências incontornáveis no mundo do luxo.
Para além destas, novas marcas independentes mostram que é possível responder a um nicho de clientes que valoriza a originalidade e a exclusividade. Estas marcas — como Lemaire, Casablanca, Baziszt, ou Zankov — investem numa estratégia que coloca o design, a narrativa e a ligação emocional com o consumidor no centro da sua oferta.
Curiosamente, em todos estes casos de sucesso vemos um regresso ao artesão, ao feito à mão, ao impossível escalar. E estamos a assistir ao fechar de um círculo, onde é novamente é isso que tem valor: o tempo e perícia que aquele objeto exigiu, a forma como o usamos para identificarmos a nossa tribo, o privilégio que é ter uma peça única.
Num mundo em constante transformação, onde a globalização e a digitalização redefinem as regras de consumo, estes casos mostram que continua a existir espaço para a verdadeira inovação e para a manutenção de um legado que valoriza a qualidade e a verdadeira exclusividade, e que tem no seu âmago a criação de relações afetivas com um objeto e a sua história.
Em todos estes casos de sucesso, como a Chanel ou a Hermés, vemos um regresso ao artesão, ao feito à mão, ao privilégio que é ter uma peça única.







