A mais antiga manufatura relojoeira em produção contínua assinala quase três séculos de existência com uma exposição itinerante — e com uma visão que não vive de nostalgia. Conversámos com Christian Selmoni, Diretor de Estilo e Património da Vacheron Constantin, sobre herança, inovação e os relógios que melhor contam a história da maison.
No mundo da relojoaria, poucas casas podem reclamar uma linhagem tão longa — e tão coerente — como a Vacheron Constantin. Fundada em 1755, em Genebra, a manufatura atravessou séculos sem nunca interromper a produção, um feito que sustenta o seu estatuto como referência entre conhecedores. Em 2025, celebra 270 anos com uma exposição que é tanto um gesto de memória como uma afirmação de futuro.
“The Quest”, nome dado à mostra itinerante que passou por Lisboa, reflete a filosofia da casa tal como foi formulada numa carta escrita por François Constantin ao seu sócio, em 1819: “Fazer melhor, se for possível — e isso é sempre possível.” É esta mesma convicção que se encontra nos relógios apresentados ao longo dos anos, muitos deles reunidos nesta exposição que passou pelo Palácio de Tancos e, depois, pela boutique da marca na Avenida da Liberdade.
Foi no primeiro cenário que Christian Selmoni recebeu a Fora de Série. Diretor de Estilo e Património da Vacheron Constantin, Selmoni conhece como poucos os bastidores técnicos, estéticos e históricos da marca. E recusa olhar para os 270 anos como um exercício de pura nostalgia. “Ser uma marca com 270 anos é algo de que se pode ter orgulho. Mas o mais interessante é que sobrevivemos. Sobrevivemos às guerras, às crises. O que me fascina na Vacheron é que nunca deixou de produzir peças preciosas, mesmo nos momentos mais difíceis”.
“The Quest”, em imagens: os relógios que contam a história
O tempo como matéria-prima
Ao revisitar os principais marcos da história da maison, Selmoni vê uma qualidade rara: a capacidade de captar o espírito do tempo, sem ceder à moda do momento. “Sempre houve uma certa habilidade em captar o air du temps. Penso, por exemplo, nos anos 20. Depois da Primeira Guerra Mundial, houve uma década de extravagância e emancipação. A Vacheron respondeu com o American 1921, que para mim tem o espírito de Josephine Baker. Era criativo, fora da caixa”.
Mais do que replicar o passado, a missão de Selmoni passa por o interpretar. Desde 2017, acumula o cargo de Diretor de Património com a função de alimentar criativamente os designers da casa, mergulhando nos arquivos, bebendo da sua vasta história. “Não se trata de copiar. Trata-se de inspiração. Às vezes, é um mostrador, outras uma ponte ou um detalhe que nos desafia. A herança deve ser matéria viva”.
Convidado a escolher um só relógio para contar a história da Vacheron Constantin, Selmoni hesita. Mas acaba por revelar o seu eleito: “É assustador escolher só um. Mas, para mim, seria a referência 4261. Parece simples, mas é uma repetição de minutos dos anos 1940, com movimento incrivelmente fino, caixa de 36 mm com asas ‘teardrop’ e um mostrador delicado. É clássico, mas surpreendente”.
Este modelo ilustra bem o que para Selmoni define o estilo da marca: “os nossos relógios são clássicos, no sentido de transcenderem as tendências. São elegantes, refinados e sofisticados. Às vezes, a sofisticação está na complexidade do mecanismo. Outras vezes, na simplicidade extrema.”
Entre os contemporâneos, confessa admiração pelo Patrimony de corda manual:
“Encapsula tudo aquilo que somos. É intemporal, sofisticado na sua simplicidade, discreto”.
Entre as décadas e os séculos
Na longa história da casa, há marcos que não se esquecem. Selmoni recorda os 250 anos, celebrados em 2005, como um momento de viragem. “Foi aí que a marca mostrou vitalidade como nunca, com peças como o Tour de l’Île, um relógio de dupla face e grande complicação que, na altura, era o mais complexo de sempre. Foi um trampolim para tudo o que veio depois.”
Mas há também episódios menos conhecidos que revelam o carácter pioneiro da maison: “Em 1889, fizemos o nosso primeiro relógio de pulso. Era para senhora. Na altura, os homens desprezavam os relógios de pulso — eram vistos como frágeis, acessórios femininos. Mas a verdade é que as senhoras foram as early adopters. Foram elas que nos mostraram o caminho.”
Outro exemplo dessa escuta atenta ao tempo é o Prestige de la France, criado nos anos 70: “É um relógio andrógino, com uma forma disruptiva, que reflete o espírito glam rock da época — David Bowie, Saint Laurent, a revolução visual. Uma peça que não era nem masculina nem feminina. Era o tempo a falar connosco”.
O luxo contra o tempo digital
Num mundo dominado por ecrãs e atualizações constantes, Selmoni acredita que a Vacheron Constantin oferece um contraponto: “os nossos relógios são analógicos, mecânicos, feitos à mão. São objetos preciosos não apenas pelo valor dos materiais, mas porque não envelhecem como a tecnologia. Recebemos regularmente peças do século XIX no nosso atelier de restauro — continuam a funcionar. Basta uma revisão”.
E é precisamente isso que mais surpreende as novas gerações, diz o Diretor de Estilo e Património: “descobrir que um objeto tão preciso, tão funcional e tão bonito é feito inteiramente à mão, sem software, apenas com talento, espanta muita gente. E depois há o facto de o podermos usar no pulso, como uma obra viva”.























