Vendida por 50 milhões de dólares, a histórica Fabergé troca de mãos: a Gemfields despede-se do joalheiro dos czares, agora nas mãos do investidor tecnológico Sergei Mosunov, que promete escrever os próximos capítulos da marca.
No universo do luxo, poucas marcas evocam tanto fascínio como a Fabergé. Fundada em 1842, em São Petersburgo, transformou-se no sinónimo máximo de requinte imperial quando Peter Carl Fabergé foi nomeado joalheiro da corte russa, em 1885. Foi ele quem elevou a arte joalheira à categoria de mito, com a criação dos célebres ovos imperiais, objetos únicos em ouro e pedras preciosas que escondiam surpresas engenhosas no interior.
Entre 1885 e 1916, a casa produziu 50 ovos para os czares Alexandre III e Nicolau II. Eram mais do que presentes de Páscoa: símbolos de poder, devoção e supremacia cultural de uma Rússia em plena Belle Époque. Hoje, mais de 40 ainda sobrevivem em coleções privadas ou museus, continuando a encantar gerações.
A Revolução de 1917, contudo, encerrou esse esplendor. A família Fabergé foi forçada ao exílio, a casa nacionalizada pelos bolcheviques e grande parte das jóias imperiais vendidas para financiar o novo regime. A marca entraria em silêncio durante décadas, sobrevivendo em tentativas dispersas de renascimento na Europa e nos Estados Unidos, até regressar em 2009 como joalharia de luxo contemporânea.
O mercado e os valores milionários
Os ovos Fabergé tornaram-se ativos preciosos no mercado de arte. O Rothschild Clock Egg, criado em 1902 para a família Rothschild, foi vendido em 2007 por cerca de 8,9 milhões de libras (cerca de 16,5 milhões de dólares), tornando-se na altura o objeto russo mais caro alguma vez leiloado. O Imperial Coronation Egg, de 1897, avaliado em cerca de 18 milhões de dólares, é um dos mais icónicos, enquanto o delicado Winter Egg, de 1913, alcançou aproximadamente 15,6 milhões de dólares.
Um dos episódios mais fascinantes aconteceu em 2011, quando o Third Imperial Egg, dado como desaparecido desde a Revolução, foi descoberto num mercado de sucata nos Estados Unidos. Avaliado em até 33 milhões de dólares, foi devolvido à ribalta como exemplo da aura quase mítica que envolve estas peças.
Entre os grandes colecionadores modernos destaca-se o magnata russo Viktor Vekselberg, que adquiriu nove ovos da coleção da família Forbes por mais de 100 milhões de dólares, hoje reunidos no Museu Fabergé em São Petersburgo. Também Alexander Ivanov, colecionador russo, é conhecido pelo seu investimento em exemplares raros, incluindo o Rothschild Egg.
A venda em 2025
Mais de um século depois da queda da dinastia Romanov, a Fabergé volta a ser notícia. Em agosto de 2025, a Gemfields, mineradora britânica que detinha a marca desde 2012, anunciou a sua venda ao fundo SMG Capital, liderado pelo empresário tecnológico Sergei Mosunov, por 50 milhões de dólares.
Segundo o Financial Times, 45 milhões foram pagos de imediato e os restantes 5 milhões serão liquidados através de royalties trimestrais. A decisão encerra um ciclo de treze anos, durante os quais a Fabergé funcionou como embaixadora das pedras preciosas da Gemfields. Para a mineradora, que em 2024 registou prejuízos de 100,8 milhões de dólares, o negócio representa “o fim de uma era” e uma oportunidade de concentrar esforços nas minas de rubis em Moçambique e esmeraldas na Zâmbia.
O novo guardião e o futuro da marca
Com raízes russas e residência no Reino Unido, Sergei Mosunov afirma sentir-se honrado em tornar-se o “guardião” de uma marca que considera simultaneamente russa, inglesa, francesa e americana. O investidor tecnológico acredita que o segredo da Fabergé está na sua capacidade de contar histórias: “Não há sentido em gemas se não pudermos transformá-las em narrativas”, afirmou.
O plano passa por reforçar a oferta tradicional — jóias, acessórios e relógios — e, ao mesmo tempo, expandir a marca para novos territórios e públicos, explorando linguagens digitais e narrativas contemporâneas do luxo. Se o passado da Fabergé foi marcado por reis e imperatrizes, o futuro poderá ser moldado pela fusão entre artesanato histórico e exclusividade global, num diálogo com as novas gerações de colecionadores.
A venda da Fabergé é a transmissão de um legado cultural que atravessou monarquias, revoluções e reinvenções sucessivas. Com mais de 180 anos de história, a casa que transformou jóias em símbolos de poder imperial enfrenta agora a sua prova contemporânea: manter-se relevante sem perder a aura que a distingue.
Fabergé, de 1842 a 2025 (uma cronologia)
1842 – Fundação em São Petersburgo
Gustav Fabergé inaugura a joalharia numa Rússia imperial em plena modernização cultural.
1885 – O primeiro ovo imperial
Encomendado por Alexandre III, inaugura uma tradição que se tornaria lendária.
1885-1916 – A era dourada
Produção de 50 ovos imperiais, obras-primas da Belle Époque russa.
1917 – Revolução e exílio
A família Fabergé abandona a Rússia; a marca é nacionalizada pelos bolcheviques.
Décadas de 1920-30 – Dispersão do tesouro imperial
2004 – O regresso ao grande colecionismo
Viktor Vekselberg compra nove ovos da coleção Forbes por mais de 100 milhões de dólares.
2007 – O recorde de leilão
2009 – Renascimento oficial
2012 – Aquisição pela Gemfields
A mineradora britânica usa a marca como vitrine para os seus rubis e esmeraldas.










